Credito: Geraldo de Paula Photographer.
O site Artes do Japão tem a honra de trazer a entrevista da atleta VALÉRIA KUMIZAKI, melhor atleta brasileira no ranking da WKF (World Karate Federation), detentora de diversos títulos internacionais e forte candidata a representar o Brasil na Olimpíada de Tokyo em 2020 caso o Karate seja escolhido pelo COI em eleição que se aproxima.
01 – Artes do Japão: Quando e onde foi o início da prática do Karate?
Valéria Kumizaki: Eu comecei o Karate sem querer, estava na sala de aula e uma amiga minha estava comentando com uma amiga ao lado que estava fazendo uma aula experimental de karate, aí eu me intrometi na conversa e falei, ah é? Karate, que legal onde? Eu me interessei e no mesmo dia eu fui fazer a aula, eu nem fiz a aula experimental, já paguei, já fiz a aula e nem sabia o que era o Karate direito. Eu já tinha visto o filme, adorava aquele filme do Daniel-san, do Karate Kid, aí eu peguei e fiz a minha inscrição. Eu comecei em 2000 com quinze para dezesseis anos, com o Professor Renato Franco (in memorian) lá na cidade de Presidente Prudente em São Paulo, na cidade dos meus pais e eu nunca mais parei, foi amor à primeira vista.
02 – Artes do Japão: Sabemos que a vida de atleta é muito regrada, com horários e treinamentos físicos. Além de tudo isso, atletas de ponta como você, hoje precisam viajar constantemente a outros países para participar de Campeonatos que contam pontos para o ranking mundial. Como concilia tudo isso? Treinamentos, campeonatos, família, amigos?
Valéria Kumizaki: Assim, como eu comecei o Karate um pouquinho mais velha, eu perdi algumas fases, por exemplo, na época da faculdade, eu nunca fui a uma festa da faculdade e nunca tive muita participação em festas, por conta do Karate, por ter que dormir cedo na sexta, porque no sábado tem treino, dormir cedo no sábado, porque no domingo iria competir, mas eu sempre fui bem sossegada em relação a vida de festa, nunca gostei muito não, e gosto muito do que eu faço, faço por amor mesmo, eu amo o karate. Eu gosto de viajar, gosto da preparação, gosto de treinar, sabe, porque as pessoas falam de viajar, né? Ah mais é lá longe, tantas horas dentro do ônibus ou do avião, pra mim tudo isso faz parte, faz parte da competição, eu gosto do momento que eu arrumo a mala, eu gosto daquela expectativa, ah o campeonato está chegando, do treinamento, gosto de arrumar a mala, gosto de toda a trajetória até chegar a competição. Não só na competição no dia, eu curto cada momento, eu curto a viagem, tanto de ida como de volta, sabe, então pra mim não é um martírio, não é: – Ah eu vou ficar doze, quinze horas dentro de um avião, ah vou ficar vinte horas dentro de um ônibus, eu curto isso, eu gosto, né? E em relação à família, é o que eu sinto mais falta, porque a gente fica longe da família, fico longe do meu sobrinho que tanto amo, não tenho muito tempo para ficar com ele, porque nos finais de semana eu treino, eu vou competir, e o final de semana é que eu tenho livre pra poder brincar com ele, mas o que mais eu sinto falta é da família mesmo, de estar junto, de estar junto nos feriados, nos aniversários. Faz uns três anos que eu não passo o aniversário com a minha família, porque eu estou sempre viajando no dia do meu aniversário, mas a gente conversa por celular ou pela internet.
03 – Artes do Japão: Em 2015 você foi Campeã da Premier League que pela primeira vez foi realizado em nosso país. O que achou da organização comparando com a Premier League de outros países que participou, e qual foi a sensação de conquistar este título em casa?
Valéria Kumizaki: A Premier League, então, estávamos todos com uma expectativa muito grande, porque a gente viaja para tão longe para poder participar de uma Premier League e no ano passado foi no nosso país. Lógico, como foi o primeiro evento, faltaram algumas coisas, mas também não deixou a desejar, nos outros campeonatos que eu também vou também tem alguns probleminhas, mas eu gostei da organização, foi bem organizado pela Federação e veio bastante gente de outros países e eu acho que este ano vai ser melhor, como foi o primeiro no ano passado, este ano vai ser melhor. Eu fiquei bem emocionada de ganhar aqui, de ganhar a Premier League do Brasil e quando a gente luta em casa, quando a gente luta no nosso país, é diferente, a gente quer ganhar em tudo quanto é lugar no mundo, mas quando luta em casa, na nossa casa tem um gostinho diferente. Pra mim foi bem emocionante mesmo, eu adorei e esse ano tem mais. Agora vai ser em Fortaleza e espero poder ganhar igual foi no ano passado.
04 – Artes do Japão: Em 2015 também foi Campeã dos Jogos Pan Americanos em Toronto no Canadá. Ver a bandeira do Brasil sendo hasteada em um evento tão importante, que engloba tantas outras modalidades, trouxe que tipo de pensamento no Pódio?
Valéria Kumizaki: Eu fiquei duas vezes no quase, fui medalha de Prata no Pan Americano do Rio em 2007, fui medalha de Bronze em Guadalajara, no México em 2011 e esta medalha de ouro foi muito desejada por mim e pelo meu professor, então quando eu subi no pódio, eu me lembrei de tudo que a gente conversava e de tudo que eu passei, que não é fácil, só a gente que é atleta sabe, das nossas dificuldades, dos nossos problemas. Lá no pódio eu me lembrei de tudo isso, de tudo que eu passei para chegar até lá. É muito emocionante ver a bandeira do Brasil, ouvir o Hino Nacional, vem todas estas lembranças, de todas as dificuldades, uma medalha muito importante, e por conta de tudo isso foi difícil conter as lágrimas.
05 – Artes do Japão: Já está pensando em Tokyo 2020 caso o Karate seja escolhido como modalidade olímpica nas eleições que se aproximam?
Valéria Kumizaki: É o sonho de todo atleta participar de uma Olimpíada, deve ser uma emoção muito grande e imagina, no Japão ainda, né? Onde o nosso Karate, onde a nossa arte começou. Bom, agora eu tenho trinta anos, eu vou ter trinta e quatro para trinta e cinco, eu gostaria de ir, eu não sei se paro até lá ou não, porque eu gosto muito de treinar, eu gosto muito de competir, mas assim, eu estou aqui na torcida para o Karate entrar mesmo, ser olímpico, e eu quero ajudar de qualquer forma, sendo atleta ou sendo técnica ou participando da comissão, eu gostaria muito de estar presente neste momento importante do Karate.
06 – Artes do Japão: O Karate, assim como outras lutas sempre foi visto como modalidades masculinas. Como é ser uma atleta de destaque, conhecida e requisitada em uma luta marcial? As pessoas que não praticam e quando a conhecem ainda pensam ser um esporte violento e agressivo ou isso já mudou?
Valéria Kumizaki: Assim, do preconceito eu tive um pouco dentro de casa, do meu pai. Um professor quando eu era criança me convidou, eu e meu irmão para fazer uma aula experimental de karate e meu pai falou: Não a minha menina, isso é coisa de menino, né, meu pai falava. E quando eu fui fazer Karate, quando eu me matriculei, meu pai falou: Não, você é toda magrinha vão te quebrar, sabe (risos). E as pessoas também confundem um pouco, tudo que usa “kimono”, né? Só que em relação à violência não, hoje em dia e quando eu entrei, eu nunca tive este tipo de preconceito de que o Karate é violento, não aconteceu isso comigo. Acontece é muita brincadeira. Ah, mas você luta, você é tão pequenininha, tão magrinha ou, ah te vi na TV ou te vejo no jornal e parece que você é grande, mas você é tão magrinha. E tem aquelas brincadeiras: Ah, você bate no namorado, assim, mas de preconceito, de violência, assim eu nunca sofri não, pelo contrário, lá em Presidente Prudente quando eu comecei o Karate, a gente lá, era noventa por cento meninas. Realmente assim, com a divulgação dos meus campeonatos, a divulgação das minhas conquistas, isso atraiu mais mulheres, mais meninas a praticarem o esporte na minha cidade. Tanto que era noventa por cento meninas, era uma coisa diferente, porque o Karate sempre tem mais meninos treinando, competindo, fazendo aula de karate, na minha cidade era noventa por cento mulheres e hoje em dia ainda continua uma porcentagem maior de meninas e eu tive um pouco de influência neste aspecto.
07 – Artes do Japão: Você já foi Campeã Brasileira em sua categoria por Onze vezes e os últimos quatro anos foram seguidos. Como é a preparação física/psicológica da atleta que atualmente é o “alvo a ser batido”?
Valéria Kumizaki: Eu gosto muito de competir o campeonato Brasileiro, acho importantíssimo, primeiro eu tenho que ser Campeã dentro do meu país para depois eu poder competir lá fora, eu gosto muito, eu entro com uma vontade diferente de lutar quando é dentro do país ou é alguma coisa em relação à Nação, do tipo do Campeonato Brasileiro. Eu gosto muito, disputa por clubes, que eu represento Santa Catarina, quando a gente está competindo contra um outro estado, pra mim é muito diferente, eu gosto muito dessa competição. Eu sou muito grata, eu sou muito realizada por ter sido onzes vezes Campeã Brasileira e as onze vezes ter sido pelo Estado de Santa Catarina e eu espero ser mais um pouquinho. Em relação ao psicológico, sobre o alvo a ser batido, eu treino forte, independente do campeonato, eu treino forte independente de ser campeonato brasileiro, independente de ser os Jogos Pan-Americanos ou independente de ser o campeonato mundial, eu sempre treino focada para a próxima competição. Independente se ela é de um nível mais alto ou de um nível mais baixo, de uma importância mais alta ou de uma importância mais baixa. Eu tenho isso na mente que eu vou lá pra colocar tudo em prática que eu treinei, que eu estou treinando, eu entro com esta mentalidade, de ganhar, eu quero ganhar, claro, mas fazendo tudo aquilo que eu treinei, pondo em prática tudo aquilo que eu treinei.
08 – Artes do Japão: De todos os lugares onde já esteve, qual local ou competição que mais marcou e por quê?
Valéria Kumizaki: Graças a Deus com o Karate eu tive a oportunidade de conhecer metade do mundo. Se não fosse o Karate, eu nunca que viajaria tanto assim, eu sou uma pessoa de sorte porque eu adoro fazer o que eu faço e ainda tenho a oportunidade de conhecer novas culturas, novos países. Pra mim em especial, eu sempre quis conhecer a Argentina, por causa das novelas, das Telenovelas que eu assistia, eu sempre quis conhecer a Argentina. Teve um campeonato lá, na primeira vez que eu fui, eu fiquei encantadíssima porque eu fiz espanhol quando criança, então pra mim foi bem marcante estar lá, competir na Argentina. E o Japão que tem tudo da minha cultura, da minha raiz. Estando no Japão eu começava a reparar e olhar, eu começava a entender um pouco de como é a minha família, um pouco da cultura, eu fiquei bem encantada com o Japão também. Eu não tive a oportunidade de ficar muito tempo, eu fui pela primeira vez para Tokyo, depois eu fui para Okinawa, parecem ser dois países diferentes, porque a gente está no Japão, mas é um clima diferente entre os dois lugares, mas eu amei, eu espero poder voltar um dia para passear, ter tempo para conhecer, de ver o Monte Fuji que eu sempre quis conhecer. Foram então a Argentina e o Japão.
09 – Artes do Japão:Quais são seus ídolos da atualidade e também do passado?
Valéria Kumizaki: Eu sempre fui fã do Ayrton Senna, desde criancinha eu acordava para ver ele correr, com meu pai, e quando tocava o Hino, quando ele pegava a bandeira, então, eu fico até emocionada quando eu lembro porque isso me marcou muito. Tanto que, quando eu ouço o Hino Nacional em qualquer esporte, eu choro. O Hino Nacional Brasileiro porque pra mim é muito forte, é muito emocionante. Você estar no pódio, você estar representando o país e ouvir o Hino, então, o Ayrton Senna marcou muito o minha vida, antes de eu ser atleta, quando eu era criança eu já chorava, quando ele ganhava, então pra mim é o Ayrton Senna, sempre.
10 – Artes do Japão: Suas considerações finais e uma mensagem para os fãs, para os praticantes e principalmente para as crianças que estão iniciando na modalidade.
Valéria Kumizaki: O Karate entrou na minha vida por acaso e eu me apaixonei e foi uma paixão à primeira vista. Eu quero dizer que como toda vida de atleta, não é fácil, a gente tem muitas dificuldades, a gente tem muitas dificuldades no caminho, mas que tenhamos em mente o que se quer, tenha um foco na mente, que se quer chegar a um objetivo, que terá muitos obstáculos até chegar neste objetivo. Mas que não deve desistir e persistir sempre. O Karate hoje em dia não é só um esporte na minha vida, ele faz parte da minha vida e sempre vai fazer parte. Eu falo que eu não escolhi o Karate, que o Karate que me escolheu, porque foi sem querer, e eu sou grata, muito grata a Deus por eu ter aquele dia ouvido falar do Karate e eu ter ido fazer a aula. Esta é minha mensagem, que todo mundo continue treinando forte, independente do objetivo, ou é se tornar um Faixa Preta, ou é ser Campeão Brasileiro ou é ser Campeão Mundial, que continue treinando e que tenham foco.
O site Artes do Japão agradece imensamente a Atleta Valéria Kumizaki que no concedeu esta entrevista, mesmo não estando no Brasil, gentilmente respondeu as perguntas de forma alegre e inspiradora. Estaremos na torcida aqui em sua competição, desejando que nosso Hino Nacional seja tocado e cantado novamente.