Me vestindo de forma tão incomum no dia a dia, frequentemente me deparo com perguntas como “O que é Lolita?”, “O que é moda urbana?” e principalmente “por que você se veste assim?”. Para responder a todas essas perguntas, primeiro é importante pensar no conceito de moda que temos e no contexto cultural de cada região/país.
Partindo desse raciocínio, podemos observar que um traço característico muito comum às culturas latinas, como a brasileira, é que a liberdade de expressão que temos quanto à forma como nos vestimos se limita às fantasias, aos regionalismos e a pouquíssimo mais. Nestas culturas “Moda” é reconhecida somente como aquilo o que for criado pelas grandes grifes, desfilada nas passarelas e replicada nas ruas.
Em outras culturas, como a londrina ou a nipônica (atuais pólos de moda vanguardista mundial) estes processos não seguem exatamente essa mesma ordem. Podemos nos voltar então a um aspecto particular da vida Japonesa a fim de observarmos um fenômeno interessante:
As pessoas passam tanto tempo dentro de moldes sociais e vestidas em uniformes que quando podem vestir o que querem, realmente dão tudo de si e criam Moda “à sua moda”! É esse movimento tão característico da vida jovem metropolitana perpetuado em ruas como de Harajuku, Tóquio , que permite às próprias pessoas “comuns” se expressem inteiramente; tanto ao combinarem suas roupas quanto, em muitos casos, ao fazerem elas mesmas suas vestes.
É a partir deste turbilhão de manifestações que indivíduos começam a se aglutinar em torno de conceitos e gostos em comum, e dali mesmo, nas ruas pulsantes de criação, é que surgem os estilos e as tendências que chamamos de “Moda Urbana”, e que ai sim serão assimiladas pelas grifes.
Neste contexto podemos pensar nas manifestações modernas importantes para nós. Começando pelo movimento Punk saído direto das ruas de Londres nos anos 70 que, com seu aspecto rude e energético, tão carregado de tachas, rebites, customizações e misturas de tecidos e estampas, enfrentou barreiras sociais e se fez notar no mundo todo. Assim como fez seu sucessor mais conhecido, o movimento Gótico, que se espalhou pelo mundo desde os anos 80 e ainda é marcante nos dias atuais.
Paralelamente, ao longo da década de 70, crescia pelas ruas de Tóquio um movimento focado no romantismo, vestes antigas, maquiagens mais naturais, produção artesanal de acessórios e retomada de peças de roupa consideradas ultrapassadas, como anáguas, laços e bloomers. Esse movimento não chegou a ser declarado com um nome próprio naquele tempo, embora hoje em dia seja comum nos dirigirmos a ele genericamente como “Romantic Kei”, o percussor da moda Lolita.
Já no final dessa década, algumas grifes como “Milk” e “Pretty” (atual Angelic Pretty) começaram a produzir roupas nesse estilo, mas foi somente somente nos anos 80 e 90, quando se intensificou o contato com o movimento gótico e a interação com o cenário musical e a indústria de mangás, é que o estilo ganhou a sua “forma” atual e popularidade.
Com esse histórico em mente, podemos então abordar a questão inicial: O que é moda Lolita?
Ideologicamente falando, dada a tão variada gama de influências e aspectos que contribuíram para a constituição da moda Lolita como a temos hoje, ela se revela para nós como uma amálgama caracteristicamente nipônica: um reflexo da habilidade do povo japonês de assimilar culturas, idéias e estéticas estrangeiras e, combinando com sua própria visão e cultura, gerar algo novo e maravilhoso. E dessa forma encontramos também diversas respostas possíveis para nossa pergunta inicial.
Para algumas adeptas do estilo, se vestir como Lolita é poder ser como uma boneca, ter uma vida pura e bela com aquela visão de mundo que somo obrigados a deixar para trás quando “crescemos”. É poder ser feliz como uma criança, mesmo enquanto vivemos e trabalhamos como adultos. Já para outras, é apenas uma forma de ser feminina sem precisar ser vulgar ou “sexy”, uma forma de resgatar a elegância antiga e abandonada pela sociedade moderna. Para cada Lolita que perguntarmos por que se veste assim teremos uma resposta diferente. No entanto, por trás de todas estas respostas encontraremos a mesma base: “Ser lolita é uma forma de ser eu mesma, vestindo roupas que me agradam e me fazem feliz”.
É a partir desse ponto que podemos observar a diferença fundamental entre Lolita e cosplay. No cosplay, você se veste com uma fantasia para representar um personagem, ocultando temporariamente aquele quem você é. Nas modas urbanas, como a lolita, você se veste para mostrar ao mundo quem você é, do que você gosta e como você vê o mundo. É nesse princípio, na razão que nos leva a nos vestir como o fazemos, que está a verdadeira diferença entre estas duas manifestações, e não somente nas roupas!
Esteticamente falando, Lolita pode variar muito em função de seus tão diversos sub-estilos, mas podemos sempre observar uma mesma silhueta: as saias/vestidos na altura dos joelhos, com anáguas para dar o volume característico, meias altas para não mostrar muito das pernas, camisas delicadas e sem decotes. Frequentemente também são vistos casaquinhos/boleros e parassóis. Essa silhueta é a base do quê caracteriza o estilo Lolita, mesmo que cada uma de suas vertentes possua seus próprios aspectos particulares.
Vale também notar algo que chama muita atenção para nossa cultura de raízes latinas: a silhueta descrita acima praticamente não mostra nada do corpo. Não é uma aparência com as curvas “sensuais” que nossa sociedade comumente espera. Isso é intencional, uma vez que tudo o que inspira estas vestes vai à contramão da sexualidade exposta. Lolita não é um estilo sensual, e nem almeja ser.
Como dito, a moda Lolita possui diversos sub-estilos com características próprias. Alguns dos mais populares são os seguintes:
Gothic Lolita:
Caracterizado pelo uso de maquiagem mais escura e pesada e uma cartela com cores também voltada para os tons mais profundos, possui uma óbvia influência do movimento gótico. Tende a se focar no preto, com acessórios e estampas com referências góticas (esqueletos, portões de cemitérios, crucifixos, morcegos, caixões, etc.). Embora a maquiagem seja importante e muito similar à maquiagem gótica tradicional, o aspecto de face esbranquiçada característico dessa última raramente é bem visto em uma gothic Lolita. Uma variante comum deste estilo, chamada EGL (Elegant Gothic Lolita), foi criada pelo músico Mana, em sua grife “Moi Même Moitié”.
Sweet Lolita:
A versão mais jovial da moda, estas lolitas dão preferência para cores mais claras e vivas, sobretudo os tons de rosa, mint e azul/púrpura claros. As estampas e os acessórios tendem a ser bem carregados, com motivos mais infantis, como doces, frutas, pelúcias, contos de fadas, etc.. é comum hoje em dia vermos Sweet Lolitas OTT (Over The Top), que são aquelas que carregam forte na quantidade e disposição dos acessórios, laços, rendas, etc.. Bonnets e Laços grandes são muito freqüentes, assim como cabelos coloridos.
Classic Lolita:
A versão mais “adulta”, tende a temas limpos com estampas, quando presentes, mais inspiradas no Rococó ou na era Vitoriana, como florais. Com menos acessórios e maquiagem mais leve e natural, é comum usarem camafeus, pérolas, joalheria clássica e penteados menos ousados, com cores naturais.
Punk Lolita:
Com influência do punk tradicional, estas lolitas costumam utilizar tecidos desgastados, acabamentos intencionalmente à mostra, padrões de xadrez, tiras de tecidos ou correntes penduradas, rebites, tachas e outros acessórios metálicos ou mesmo plásticos em alguns casos. Maquiagem tende a ser um pouco mais leve do que maquiagens punk, mas os cabelos tendem a se manter na mesma linha.
Sailor & Pirate Lolita:
Com influências de uniformes de marinheiros, estas lolitas freqüentemente usam tons de branco com azul, freqüentemente com listras horizontais, e os tradicionais chapéu e gola de marinheiro. Mantém referências a temas náuticos, como nós e ancoras, e em geral mantém os acessórios mais leves. O que é importante ressaltar é que este estilo não deve ser confundido com o “seifuku”, que é um estilo tradicional de uniforme escolar. Já o Pirate Lolita, embora mantenha a linha “náutica”, parte para cartas de cores muito mais vivas, freqüentemente recorrendo ao dourado e a tons opostos, e faz uso extensivo de joalheria, faixas, chapéus tricornes, tapa-olhos e botas altas com a borda dobrada, assim como casacos com peitoral napoleônico e mangas longas e dobradas.
Wa & Qi Lolita:
Estes estilos combinam vestimentas tradicionais japonesas (wa) ou chinesas (Qi) com a silhueta Lolita. Muitas vezes modificando quimonos, hakamas ou qípáos modificados para interagirem bem com outras peças do guarda-roupas Lolita, como os casaquinhos ou as saias volumosas. A maquiagem costuma variar entre o tradicional look natural da Lolita com alguma forma de maquiagem tradicional da cultura em questão, assim como os penteados, que podem incluir Kanzashi (ornamento de flores Japonês). Os acessórios e até mesmo sapatos muitas vezes são referências diretas à época das vestimentas, como Geta ou Okobo (calçados de madeira tradicionais do Japão) substituindo os tradicionais sapatos lolita.
Kuro & Shiro Lolita:
Embora estes não sejam exatamente um “estilo” por si só, eles são uma variante aplicável sobre qualquer outro sub-estilo dentro da moda Lolita. Qualquer que seja o sub-estilo, se todas as peças de roupa forem completamente brancas, então podemos chamar de Shiro Lolita, e se forem completamente pretas de Kuro.
Guro Lolita:
Este estilo se define pelo uso pesado de maquiagens cinematográficas, bandagens criando ferimentos falsos e bastante sangue falso, para darem a impressão de uma Lolita ferida ou uma boneca quebrada. O mais comum é que este estilo seja combinado com um Shiro, ou com a maioria de peças brancas, tanto para realçar o contraste entre o sangue e a pureza (representada pelo uso da cor branca), quanto como alusão ao luto (lembrando que no Japão uma veste toda branca traz a mesma carga de “luto” que uma veste toda negra no ocidente). É um estilo bastante raro hoje em dia.
Country Lolita:
Derivante do Classical Lolita, este estilo busca temas voltados ao campo ao invés de se inspirar tanto no Rococó, e assim faz uso de mais padrões xadrez, peças de palha, como chapéus e cestas, e utiliza acessórios mais simples, muitas vezes incorporando flores ou trançados artesanais. Assim como a Lolita Clássica, seus penteados, maquiagem e acessórios são mais leves e naturais.
Hime Lolita:
Também bastante jovial, este estilo deriva de uma combinação da estética “Hime” (“princesa” em japonês), presente em outros estilos, como Gyaru, e a estética Lolita, e se marca pelos penteados rebuscados característicos e pelo freqüente uso de tiaras (como as de princesa). Suas roupas tendem a se inspirar mais nas roupas da alta nobreza européia, com mais babados e rendas largas.
Old School Lolita:
Este é o estilo que remete aos primórdios da moda Lolita, como ela era apresentada nos anos 80, Evitando estampas, com laços mais quadrados na cabeça, sapatos de solas mais largas e com um pouco menos de volume na saia. É uma forma mais sutil de Lolita, porem ainda mantendo a mesma silhueta tradicional.
Casual Lolita:
Não é um estilo per se, mas nos referimos a uma Lolita como Casual quando ela está com roupas mais comuns, apenas com alguns aspectos da moda Lolita. Por exemplo, uma saia Lolita, tênis e uma camiseta estampada, com um lacinho no cabelo. Podemos pensar que um look Casual Lolita se refere a uma escolha de roupas que uma Lolita faria em dias que não quer se arrumar inteira, mas se mantém elegante e bem arrumada, embora não completamente dentro dos padrões de uma Lolita.
AbaLoli:
Nascido da mais pura necessidade, este estilo é uma combinação do ideal, dos motivos, estampas e tecidos característico da moda Lolita, com a Abaya, um traje feminino tradicional em países islâmicos. Mesmo a moda Lolita mostrando pouca pele para os nossos padrões, deixar os braços, rosto e canelas à mostra é inadmissível em algumas outras culturas, e desta forma a tradicional silhueta Lolita não pode ser adotada em qualquer lugar. Nestes casos, no entanto, podemos observar a essência da moda urbana se manifestando através destas bravas lolitas que customizam suas próprias roupas para poderem ser elas mesmas e mostrarem ao mundo aquilo em que acreditam, mesmo em uma cultura aonde elas normalmente não teriam voz.
Gêneros menos comuns:
Devido ao aspecto “faça você mesmo” e à essência que caracteriza a moda Urbana, podemos encontrar uma miríade de estilos distintos e interessantes conforme formos adentrando neste mundo. Alguns são estilos novos que ainda não se consolidaram, como o Spook Loli (influências da estética Creepy-Cute), o Deco Loli (influências da estética Decora) ou o Steampunk Loli, outros são tão únicos ou incomuns que sequer tem nome próprio, e a muitas destas abordagens mais pessoais nós chamamos de cross-overs, referindo-nos à mistura entre dois estilos ou sub-estilos distintos para gerar algo que melhor represente a pessoa naquele momento.
Boystyle:
Finalmente, a contraparte masculina da moda Lolita. Embora também muito usada por mulheres, são roupas inspiradas em vestes tradicionalmente masculinas, sobretudo dos períodos Vitoriano e Edwardianos, como coletes, calças, camisas com desenho masculino (mas comumente com modelagem feminina), e acessórios como chapéus, laços no pescoço, bengalas, etc.. A variedade de estilos compreendidos como Boystyle é grande e inclui Visual Kei (que por si só também possui sub-divisões), Classical Kei, Kodona, Steampunk, Dandi, Punk, Pirate, dentre outros. No entanto os dois estilos mais comumente associados à moda Lolita são:
Aristocrata ou EGA:
O estilo masculino mais “adulto” e rebuscado inspirado sobretudo na aristocracia vitoriana, se marca pelo uso de calças longas de corte reto, colete, casacos/smokings, camisa rebuscada, botas ou sapatos, comumente com peças bordadas ou finamente detalhadas e com vasto uso de acessórios, como bengalas castão, cartolas, lenços, anéis, colares, relógios, cintos, etc.. a maquiagem é mais natural, em contraposição ao Dandi. Dentro deste estilo, encontramos o EGA, ou Elegant Gothic Aristocrat, que é uma versão criada pelo designer e músico Mana, como contraparte masculina para o estilo EGL, acima já mencionado
Ouji:
O nome se traduz como “príncipe” e é a versão mais jovem do aristocrata. Com calças curtas, meias altas presas com liga masculina, cabeça descoberta ou com chapéus mais infantis, como boinas, cores e tons menos sóbrios, peças menos rebuscadas e menos, porém igualmente imponentes, acessórios.
E gostaria de fechar o texto lembrando que como lolita é uma moda urbana não existe nenhum “manual de regras”, e é essa liberdade que faz com que lolita cresça e se ramifique tanto. A graça da moda urbana está exatamente em seu caráter flexível e altamente pessoal, então não importa qual seja o nome dado, não tentem se adaptar à moda, mas sim adaptar a moda ao que você é!
Texto: T.G. Parsons
Colaboração: Akemi Matsuda e Katja Horvath
Revisão: Mariana Santarem
Eu discordo em algumas coisas da Isabele Sakura…Houve falta de interpretação de texto em algumas coisas que noto no seu comentário:
* Disseram que Wa e Qi misturam elementos tradicionais com a silhueta lolita, não que é 100% tradicional.
*Eles não disseram que Hime Gyaru é Hime Lolita, apenas ressaltaram que a temática é semelhante (hime).
* Sailor Lolita e Pirate eram temáticas que se tornaram populares e por causa disso hoje são consideradas sim divisões do estilo, embora menos populares que as três principais: Gothic, classical e sweet.
*Quando eles se referem ao EGL disseram ser uma “variante”, e isso não é um sinônimo pra “outro tipo de lolita” como você disse… Variante no caso se refere às meninas que usam as roupas da grife e se auto denominam EGL (isso não faz delas menos lolitas que as outras, há elementos em comum com o gothic porém difere em alguns poucos aspectos, como o uso de peças da grife) portanto o que foi dito está correto…
* Sobre boystyle, outra vez foi um mal entendimento da leitura: Não disseram que visual Kei é lolita, disseram que faz parte de boystyle… Elas citaram algumas referências de boystyle em geral depois disseram as que são comumente ligadas à moda lolita.
Pedir para que três das mais influentes e conhecedoras da moda aqui no Brasil para “pesquisar mais sobre o assunto”, que por acaso foram as meninas que escreveram e revisaram, é no mínimo indício de que é outra pessoa que precisa pesquisar mais.
No geral acho que o texto foi muito bem escrito, está bem claro e simples de entender! Parabéns pela iniciativa e pelo excelente post!
“É, admito que a imagem da punk-loli não foi muito feliz. =( Infelizmente esta foi a melhor imagem que consegui arrumar com a certeza de não ferir os direitos de imagem de ninguém.”
Não poderiam ter utilizado alguma foto de scans como fizeram com várias outras imagens do post? Com certeza lá deve dar pra achar alguma imagem melhor?
se pudessem teriam feito, não?
Logo, se não fizeram e disseram que essa foi a melhor que acharam, é tão difícil assumir que ‘essa foi a melhor que acharam’?
Sim, porque pessoas que conhecem lolita há bastante tempo devem ter melhores fontes. Não é difícil achar uma foto de punk lolita.
observe a parte aonde disseram “com a certeza de não ferir os direitos de imagem de ninguém.”
se vc tiver uma imagem boa e os direitos de reprodução da imagem, deve ser fácil entrar em contato com quem fez o texto. aposto que elas aceitariam a doação com um sorriso!
a não ser que vc prefira só criticar escondida no anonimato, sem fazer nada para ajudar.